segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Paddy McAloon - I Trawl The Megahertz (2003)


Este é um disco assombroso e muito, muito bonito. Mesmo que você não seja fã da banda que Paddy liderou nos anos 80/90 - o Prefab Sprout - imagino ser impossível não se emocionar com este primeiro disco solo de McAloon. Quando eu soube da existência de I Trawl The Megahertz, num tempo em que os downloads ainda não eram tão rápidos ou fáceis, importei-o sem nem ouvir um único som vindo dele. Apenas sabia, com relativa tristeza, que Paddy enfrentava uma doença degenerativa que atacava sua visão. O homem estava quase cego.

Essa condição de sáude foi decisiva para a composição do disco. Paddy sempre fora um adepto das melodias perfeitas, que ele compunha inspirado igualmente por Brian Wilson, JOe Jackson, Steely Dan, Paul McCartney e Elvis Costello, mas sempre tivera um fraco pelo cancioneiro americano dos anos 30/40, gente como Jerome Kern, Cole Porter, Ira Gershwin ou Irvin Berlin. Essa sutileza pode ser oberervada nos discos do Prefab Sprout, principalmente em sua maior obra, Two Wheels God, de 1985.

Em I Trawl the Megahertz, McAloon, virtualmente cego, comanda a produção, não toca nenhum instrumento e só balbucia algumas palavras lá pela sétima canção, "Sleeping Rough", o que não impede que o álbum seja absolutamente confessional e auto-biográfico de uma forma que nenhum disco da antiga banda jamais fora. Com um instrumental esparso e textos recitados por vozes masculinas e femininas, as canções se assemlham a reflexões meditativas ou mesmo sonhos, sem o erro de resvalar para a pieguice no comentário. A faixa-título, com 22 minutos, é o mais próximo que um compositor pop chegou do formato clássico, sem querer. Só essa canção coloca as tentativas eruditas de Paul McCartney e Billy Joel no chinelo. E Paddy, provavelmente, jamais pensou nela como uma obra erudita. Outras músicas belíssimas podem ser achadas pelo disco adentro, como "I'm 49", "We Were Poor..." e sua continuação "...but We Were Happy".

A presença de instrumental clássico, entre eles uma orquestra completa, regida por Robert McFall confere ao disco uma aura atemporal, ainda que ele soe extremamente urbano e moderno, sem qualquer sombra de hype ou badalação. Pouco tempo depois, já no advento do Youtube, pude conferir uma apresentação do Prefab Sprout - basicamente Paddy e músicos convidados - num festival na Irlanda. O homem estava totalmente desfigurado - gordo, cabeludo - e executava uma versão sublime do maior hit da carreira, "When Love Breaks Down", para uma platéia que ouvia respeitosamente. Dois anos depois ele estaria quase cego, gravando esse disco e exorcizando seus demônios e tristeza.

Ao contrário do que pode parecer, I Trawl The Megahertz não é triste, mas é daqueles trabalhos que nos emocionam de tão belos.

PS1: Paddy McAloon recuperou a visão e curou-se.
PS2: Por falta de um registro em vídeo de uma canção do disco, coloco o vídeo de McAloon cantando "When Love Breaks Down" no festival de Fleadh, Irlanda, 2000.

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