domingo, 30 de novembro de 2008

Queen - A Day At The Races (1976)

Antes de mais nada, convém desfazer uma grande injustiça. O Queen é uma das melhores e mais consistentes bandas da história do rock. Quem viveu a adolescência nos anos 70 e 80 sabe que era impossível passar batido pela obra da Rainha. E, acrescentando um depoimento pessoal, o Queen foi a primeira banda de rock que eu ouvi na vida, sabendo que estava ouvindo rock'n'roll.

Quando isso aconteceu, por volta de 1983/84, a banda de Freddie Mercury, Brian May, John Deacon e Roger Taylor vivia um momento de transição, tentando se adequar às sonoridades oitentistas que o mundo ouvia. Era um tempo difícil para os chamados "dinossauros" do rock. O Queen fazia jus a esse título, uma vez que estava com treze anos de carreira e acabava de lançar seu décimo-segundo disco, The Works, puxado por três singles de grande sucesso, a saber, "Radio Ga-Ga", "I Want To Break Free" e "It's A Hard Life".

Mesmo que tentasse se adaptar aos novos tempos, o Queen ainda trazia seus elementos primordiais mais ou menos intactos. Nunca uma banda foi tão exagerada e deliberadamente cafona ao forjar seu som e seu visual. Egresso das hordas glam do início dos anos 70 e com um pé firme no nascente heavy metal, o Queen acabou tornando-se uma banda única, que fundia inegável pegada rock com cafonália operística e pianos melodramáticos, tudo isso executado com um cuidado extremo. Todos os integrantes do Queen eram afinadíssimos, grandes instrumentistas e compositores. A banda abusava dos arranjos que enfatizavam a guitarra de Brian May e a voz de Mercury.

Os três primeiros discos do Queen apresentaram a banda para o cenário britânico e a credenciaram para ousar compor e lançar um disco como A Night At The Opera, em 1975. Com pinta de álbum conceitual, o trabalho mostrava que a banda não era uma caricatura, muito pelo contrário. Nenhuma formação em atividade na época seria capaz de fazer um disco tão ousado. Puxado por "Bohemian Rapsody" e contendo hits inegáveis como "39", "You're My Best Friend" e o maior de todos, "Love Of My Life", A Night At The Opera arrebentou as paradas inglesas e adentrou a América triunfalmente.

A arte da capa foi criada por Mercury, e seu conceito foi aproveitado para o disco seguinte, A Day At The Races. Na verdade, o Queen sempre admitiu que A Night At The Opera e A Day At The Races são discos gêmeos, mas que deveriam ser lançados em ordem inversa. A seqüência com capa negra, lançada em 1976 é inferior ao blockbuster de um ano antes, mas trazia uma canção única no cânone da banda, algo que se tornou mais evidente depois da morte de Mercury em 1991 por conta da AIDS.

É importante dizer que, ao ouvir Queen pela primeira vez, era impossível perceber ou dar importância para a homossexualidade de Freddie Mercury. Isso e mais os excessos do som do Queen nunca deram credibilidade à banda junto à imprensa especializada. Até hoje eles são colocados numa espécie de patamar inferior a formações como Deep Purple ou AC/DC. Ao contrário dessas bandas, o som do Queen era mais diverso e amplo, emprestando tinturas progressivas e glam, colorindo o espectro sonoro com tonalidades que ninguém ousava na época.

Temos então A Day At The Races. Lançado no ano do nascimento do punk, 1976, o quinto disco do Queen também traz, a exemplo de seu antecessor, um título emprestado de filme dos Irmãos Marx. "Somebody To Love", a sexta faixa traz Mercury ao piano, com toda a dramaticidade possível, cantando sobre um amor nunca realizado, mas aguardado e até implorado. Mercury sabe que há uma pessoa certa para ele, clama a Deus (literalmente) por sua chegada, uma vez que não suporta mais sofrer com a solidão.

A banda - responsável sempre por todos os coros em todos seus discos - dá uma espécie de atestado de veracidade ao clamor de Mercury, assim como a guitarra de May, que chora ao lado de Freddie ao longo da música. As quatro vozes foram amplificadas em estúdio, soando como se fossem um coro gospel de cem vozes.

Em 1992, quando o Queen se uniu a vários artistas para um concerto em homenagem a Freddie, George Michael assumiu os vocais de "Somebody To Love" e, para a surpresa geral, conseguiu equiparar a performance de Mercury, numa demonstração de rara proeza vocal, ainda que Michael praticamente repita todos os trejeitos de Freddie.

O Queen emplacaria o Top 20 britânico e americano com "Somebody To Love" ainda em 1976 e lançaria no ano seguinte o exuberante News Of The World. Esse disco, mais A Night At The Opera, A Day At The Races e Jazz, lançado em 1978, formam uma espécie de "quadrado mágico" na extensa discografia do Queen, que permanece intacta e de braços abertos para fãs de rock'n'roll como ele deveria sempre ser: ousado, provocador, bem feito e instigante. Com uma simpática pitada de humor negro e exagero.

Nesses tempos de correção política, poucos e bons são os que se deleitam com o som de teatro decadente da velha Rainha. Sorte nossa.


quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Isaac Hayes - Hot Buttered Soul (1969)


O segundo disco de Isaac Hayes é uma das obras fundamentais para entender a soul music na virada dos anos 60/70. O formato habitual do single ja dava sinais de anacronismo diante de tanta experimentação musical, principalmente no rock. A psicodelia expandiu os limites estéticos rígidos e foi devidamente absorvida pelos artistas de soul, principalmente através da ação do produtor Norman Whitfield, da Motown. O sujeito transformou os Temptations em uma nova formação musical a partir de 1966.

E o que Isaac Hayes tem a ver com isso? O sujeito era arranjador, pianista e participara da lapidação de muitos hits da Stax, gravadora rival da Motown, que sempre teve seu formato sonoro mais apegado às tradições do blues e r&b, talvez com mais punch e guts. Hayes havia debutado em 1968 com Presenting Isaac Hayes, acenando com várias inovações, algo que esse segundo trabalho confirmou absurdamente. Não podemos dizer que Hot Buttered Soul é um disco psicodélico no sentido estrito do termo, mas podemos dizer que ele transpôs os limites antes de trabalhos como What's Going On (1971), de Marvin Gaye ou Talking Book (1972), de Stevie Wonder, apenas para mencionar dois monstros sagrados da música negra de todos os tempos.

O que Ike Hayes propõs nesse disco foi a subversão total de dois standards pop brancos, "Walk On By" (Burt Bacharach) e "By The Time I Get To Phoenix" (Jimmy Webb), transformando-os em duas novas canções. A primeira atingiu 12 minutos de duração, sendo totalmente refeita. Hayes arranjou a nova versão e instruiu os Bar-Keys (a segunda encarnação da banda residente da Stax, que fora vitimada num acidente aéreo em 1967, que matou Otis Redding) a soltar suas mentes e viajar nas melodias. O resultado é tão marcante e atemporal que segue como uma das maiores fontes de samplers do hip-hop atual, atingindo até quem não é do "gueto". O Portishead usou a faixa como grande manancial de timbres em seu primeiro disco, Dummy, em 1994.

"By The Time I Get To Phoenix", um clássico pop na voz de Glen Campbell, foi igualmente refeita em 18 minutos de uma suíte torturada e pungente. Ike demora quase nove minutos explicando e amplificando absurdamente a tristeza da solidão e os motivos da separação numa profusão de palavras sussurradas - que fazem Barry White, o maior aprendiz de Hayes, parecer um menino de coro gospel - para, adentrar a melodia e harmonia da música numa interpretação colossal. Teclados, pianos, baixos, bateria, metais, tudo parece parte de uma única criatura musical maior, nunca antes ouvida.

Hot Buttered Soul ainda teria mais duas canções, "Hyperbolicsyllabicsesquedalymistic", com pouco mais de nove minutos e "One Woman", com "míseros" seis minutos. Ainda que ambas sejam sensacionais, principalmente a primeira, com Ike e os Bar-Keys assombrando as formações brancas de r&b e blues. E pronto. Apenas quatro canções no disco.

A injustiça no mundo musical é uma constante e poucas vezes Hot Buttered Soul apareceu em listas de melhores discos de todos os tempos, nem mesmo por conta da prematura morte de Hayes nesse ano. Esse disco é um colosso de talento e invenção, algo que, infelizmente, ficou para trás.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Roberto Carlos - Em Ritmo De Aventura (1967)

O Rei Roberto Carlos tem uma folha de ótimos serviços prestados ao rock nacional quando este termo ainda não existia em nenhuma de suas conotações ou denotações atuais. Era o homem fazendo história com as próprias mãos.

Ao longo dos anos 60 o Rei gravou um punhado de discos que podem ser considerados como um verdadeiro cânone do rock nativo em toda a sua extensão. Baladas, covers, composições próprias, uma parceria infalível (nos moldes de Lennon e McCartney, com o Tremendão Erasmo Carlos) e muito talento.

Roberto Carlos Braga nasceu em outono de 1941, no dia 19 de abril, em Cachoeiro do Itapemirim, pequena cidade no interior do Espírito Santo. Era o quarto filho do Sr. Robertino Braga e Dona Laura Moreira Braga. Ele foi fisgado primeiramente pelo country de artistas nacionais como Bob Nelson, mas não tardaria a comprar o compacto de "Rock Around The Clock" e se fascinar com aquele ritmo novo chamado rock 'n' roll.

Aos dezesseis anos mudou-se para o Rio onde foi morar no bairro da Tijuca, lá encontrando outros jovens fascinados por rock, como Erasmo, Tim Maia, entre outros. Foi no The Snakes que ele começou a cantar, apresentando-se em clubes e bailes.

Se você gostasse de música no Brasil dos anos 60, não poderia fugir dessas alternativas: a Bossa Nova era americana demais, influenciada por jazz mais do que qualquer outro ritmo, apesar de talentos inegáveis; o Tropicalismo só surgiria a partir de 1967/68 e era político demais, autoreferente demais e elitista por natureza. Portanto, se o jovem fã de rock tivesse que escolher um estilo de vida, este seria pontuado pelos carrões, motocas e cocotas da Jovem Guarda.

A ditadura militar implicou com o movimento pois a tal jovem guarda, aqui uma referência a uma "guarda" substituta das "velhas guardas", tão presentes no Brasil, poderia ser uma referência ao comunismo, pois Lênin batizara seus soldados revolucionários em 1917 com o mesmo nome. Tudo besteira. A Jovem Guarda era diversão pura. E Roberto era o chefe da patota.

O grupo de artistas que ainda contava com bandas como Os Incríveis, Renato e Seus Blue Caps, Golden Boys, Os Vips e divas como Martinha, Wanderléa e Rosemary estrelou por um bom tempo um programa homônimo na Rede Record, onde eles se apresentavam e afirmavam suas gírias e maneirismos.

No ano de 1967, o movimento vivia seu auge. E veio a idéia de fazer um filme, com a galera, na onda de "Help" (dos Beatles, feito dois anos antes) e das aventuras de James Bond. Roberto e Erasmo estrelaram "Roberto Carlos Em Ritmo de Aventura", que foi um grande sucesso de bilheteria. O desempenho do cantor e compositor no papel principal, teve carisma e senso de humor. A grande atração, como seria de se esperar, é a trilha sonora, que inclui grandes marcos do repertório do filho mais ilustre de Cachoeiro do Itapemirim (ES), como "Eu Sou Terrível", "Como É Grande O Meu Amor Por Você", "Por Isso Corro Demais", "De Que Vale Tudo Isso", "Quando", "E Por Isso Estou Aqui" (que alguns pensam ter como título "Olha") e "Você Não Serve Pra Mim".

O curioso é que apenas "Eu Sou Terrível" foi escrita por Roberto e Erasmo, que na época viveram uma rara fase de desentendimento, levando o Rei a assinar sozinho cinco músicas. Estas músicas, hoje tão vilipendiadas, são verdadeiros tesouros. Nunca o homem foi tão vulnerável dentro de sua aparente superioridade adolescente. As letras de "Eu Sou
Terrível", cheia de bravatas e de "Por Isso Corro Demais" entram em choque direto, mostrando que os caras eram sensíveis e divertidos. E o romantismo sincero do Rei mostrava aqui com "Como É Grande O Meu Amor Por Você" o que viria a acontecer na década seguinte. Mas aqui a embalagem era rock muito bem feito e em sintonia com o que era cometido lá fora por bandas como Monkees, Herman’s Hermits e Hollies.

Muitos de nós estamos aqui graças a namoros iniciados à luz destas canções. Em respeito e conhecimento, ouçâmo-las pois e vamos tentar não mexer os esqueletos.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Milton Nascimento e Lô Borges - Clube da Esquina (1972)

A música brasileira era diferente até os anos 60. Era uma maçaroca de marchinhas, sambas-canção, boleros mexicanos e moonlight serenades, estas copiadas dos Estados Unidos. Os chamados "anos dourados" eram pobres em termos de cultura musical. Foi na década de 60 que isso mudou. Três vertentes surgiram quase simultaneamente na música feita no Brasil e isso a rebatizou de MPB. A Bossa Nova agregou a galerinha classe média, fã de jazz e samba. A Jovem Guarda veio com a beatlemania e levou consigo a povo da classe média baixa, com versões de sucessos de bandas inglesas e americanas. Uns dois anos depois veio a Tropicália, que fez a delicia dos universitários antenados com os protestos contra a ditadura militar. Era a trilha sonora genuinamente brasileira, cheia de "atitude" e "nacionalismo verdadeiro" para combater a "colonização do país".

Qualquer verbete sobre música brasileira há de citar estas três ramificações como sendo a cara da música brasileira na década de 60. E quem o escrever não estará errado, mas correrá o risco de omitir uma outra vertente, menor, mas com força e criatividade igualmente relevantes e que agregou um pouco do que as três grandes forças tinham de melhor. O jazz da Bossa Nova, a paixão pelos Beatles da Jovem Guarda e as referências culturais brasileiras da Tropicália. Isso se chamou de Clube da Esquina. O mais engraçado disso tudo é que o "clube" nada mais era do que um lugar numa esquina de Belo Horizonte, onde algumas pessoas se reuniam pra tocar violão, beber pinga e falar de política. Pouco, se compararmos com os programas de televisão que as vertentes, digamos oficiais, da música brasileira, dispunham.

Tudo começou em 1963, em Belo Horizonte. O cantor, compositor e instrumentista Milton Nascimento tinha acabado de chegar de Três Pontas com o pianista Wagner Tiso, e foi morar numa pensão no Edifício Levy, na cinzenta Avenida Amazonas, no centro da cidade. Lá, em outro apartamento, viviam os irmãos Borges – doze ao todo. No começo, Milton se enturmou com mais velho deles, Marilton, com quem foi tocar no grupo Evolussamba. Logo, estaria fazendo amizade também com Márcio e com o pequeno Lô, de apenas dez anos de idade.

Os encontros entre Milton e os dois irmãos eram sempre no quarto dos Borges, em noites regadas a batida de limão. Márcio tornou-se o letrista das primeiras composições de Milton em 1964. Enquanto isso, Lô estudava harmonia com o guitarrista Toninho Horta e devorava discos dos Beatles com outro menino, Beto Guedes. Juntos os dois, que haviam se conhecido por causa de um patinete, montaram a banda The Beavers, inspirada no Fab Four. Milton Nascimento passou a década de 60 participando de festivais e chamando atenção para sua voz e sua verve de compositor. Era o começo do estrelato para ele, que logo foi apresentado aos americanos com o disco Courage (1968), gravado por lá com arranjos de Eumir Deodato. Enquanto isso, a turma de músicos mineiros reunida por Milton e os Borges não parava de crescer, com a chegada de Flávio Venturini, Vermelho e Tavinho Moura.

Faltava apenas batizar essa reunião de músicos. Um dia, na esquina da Rua Divinópolis com a Rua Paraisópolis, no bucólico bairro de Santa Teresa, Milton e os irmãos Borges fundaram o Clube da Esquina, irmandade unida no interesse por música, política, amizade e uma cachacinha das boas. O nome foi idéia de Márcio que, sempre ao ouvir a mãe, Dona Maria, perguntar por onde andavam os meninos Borges, dizia: "Claro que lá na esquina, cantando e tocando violão".
Em comum entre os integrantes, a origem de classe média, o grande interesse por assuntos culturais e políticos e a disposição de privilegiar os temas sociais em detrimento do amor nas letras. Antes mesmo que se formalizasse um movimento (que, de acordo com seus integrantes, nunca se formalizou), Milton e Lô Borges (então com 17 anos de idade) entraram em 1972 nos estúdios da EMI para gravar o disco Clube da Esquina. Com uma capa que trazia apenas a foto de dois meninos, um preto e uma branco, na beira de uma estrada em Nova Friburgo, o LP apresentou ao país a alquimia sonora obtida por aquele grupo de mineiros, ao qual se agregaram ainda o letrista Ronaldo Bastos e o grupo Som Imaginário (de Wagner Tiso): bossa nova, Beatles, toadas, congadas, choro, jazz, folias de reis e rock progressivo.

Canções como O Trem Azul (de Lô e Ronaldo, regravada por Tom Jobim em seu último disco, Antônio Brasileiro), Tudo o que Você Poderia Ser (Lô e Márcio), Nada Será Como Antes e Cais (ambas de Milton e Ronaldo) foram o marco zero para aquele que foi o primeiro movimento musical brasileiro de importância depois da Tropicália. Talvez a melhor música de todo o disco seja a singela versão instrumental de Clube da Esquina nº 2, que teve a letra censurada.
Logo, cada um dos sócios do Clube estaria seguindo o seu caminho, lançando seus próprios discos – Beto Guedes rachou um LP com Novelli, Danilo Caymmi e Toninho Horta e em seguida fez A Página do Relâmpago Elétrico e Amor de Índio. Lô Borges gravou os elogiados Lô Borges e Via Láctea. Flávio Venturini foi para O Terço, banda que lançou discos mais voltados para o rock progressivo e depois daria origem ao pop 14 Bis (de Vermelho e Magrão).

Claro que Milton Nascimento e seus amigos de Clube hoje são passado. Mas ninguém se importa em olhar pra trás de vez em quando. Afinal, na música talvez a história não se repita sempre como farsa.

sábado, 22 de novembro de 2008

Glen Campbell - By The Time I Get To Phoenix (1968)


Ele deu uma última olhada para ela, que ressonava levemente. Pensou no que decidira fazer, pensou no que deixava pra trás. Sem tristeza, ele se permitiu imaginar o que viria. E sorriu secretamente, encoberto pelo escuro do quarto. Quando chegou em Phoenix, pensou novamente nela. O carro precisava de combustível. Imaginou-a acordando e não o encontrando de imediato, ao lado dela. Ele podia vê-la se dirigindo para a porta do quarto, onde ele deixara um bilhete, afixado por uma fita durex.
Ela riria da parte do texto curto que dizia "eu estou te deixando para sempre". Nunca acreditara que isso fosse possível, mas ali, em pleno estado do Arizona, bem longe de Los Angeles, ele achava que a distância era até pequena. Partiu no carro reabastecido e para o futuro. Já havia percebido que o romance não renderia muito, tentara abandoná-la algumas vezes, mas nunca resistira aos pedidos para voltar.

As estradas, essas pequenas condutoras dos vaivéns da vida o levaram ainda mais longe, naquela jornada de volta pra casa. Em Albuquerque, Novo México, ele novamente pensou nela. Provavelmente estaria trabalhando, talvez já no horário do almoço. Ela ligaria para a casa que dividiam, ouvindo o telefone chamar, chamar e ninguém atender. Simplesmente.

Mais tarde, já chegando em casa, em Oklahoma City, ele avistou a velha casa de seus pais e diminuiu a velocidade do carro. Pensou pela última vez nela, a esta altura já adormecida na cama vazia. Uma ponta de tristeza varreu-lhe a alma ao imaginar a constatação do inevitável por parte dela. Ele realmente se fora. Tantas vezes tentou avisá-la que algo estava errado, fosse o ciúme, fosse a rotina, a falta de amor. Ela nunca lhe dera crédito e ele sempre voltava, talvez por não conseguir viver longe. Agora, com a cama vazia, sob o calor leve do verão, ela chorava em silêncio no travesseiro. Ele não voltaria mais...

Ao ouvir os poucos versos contidos nos dois minutos e meio de duração de "By The Time I Get To Phoenix", entramos em contato com esta história de (não) amor, na qual o personagem-narrador da música descreve com minuciosa precisão o que a outra pessoa está fazendo ao longo de um dia de viagem, rumo ao futuro e uma nova vida. Os eventos evoluem do descrédito à constatação inegável que o amor acabou e que o ente querido não volta mais, mesmo após tantas tentativas fracassadas de abandonar a relação.

Vários detalhes maravilhosos fazem dessa canção um verdadeiro ícone da produção pop da segunda metade dos anos 60. A versão definitiva, gravada por Glen Campbell traz um arranjo luxuoso de cordas e metais, que retiraria o então astro country de seu nicho e o arremessaria ao estrelato, forjando um rótulo que poucas vezes pareceu tão acertado: countrypolitan. Seria o sujeito que veio do campo - no caso de Campbell, dos canfundós do Arkansas - e que chegou a Los Angeles, sendo lentamente assimilado pela metrópole, sem, no entanto, perder as idiossincrasias rurais.

Quando chegou a LA, Campbell era, de fato, um cantor country,mais que isso, um exímio músico, capaz de grandes melodias ao violão e guitarra. Logo foi contratado como músico de estúdio e acompanhou gente como Frank Sinatra e Elvis Presley, além de trabalhar com Brian Wilson, líder dos Beach Boys. Campbell acabaria substituindo Brian numa turnê dos BB em 1965, por conta de um dos primeiros ataques nervosos do beach boy, que o levariam a abandonar as turnês da banda e a sair de cena dois anos mais tarde, em função do colapso durante a produção do disco Smile.

Em troca, Brian Wilson compôs e produziu "Guess I'm Dumb", um sucesso mediano nas paradas, mas a primeira incursão de Campbell fora do terreno country. Ao longo dos anos seguintes, Glen consolidaria sua carreira de guitarrista e cantor, chegando a ganhar seu primeiro Grammy de melhor gravação country com "Gentle On My Mind", mas nada comparado ao que estava por vir.

Um belo dia ele recebeu um disco de Johnny Rivers, no qual estava "By The Time I Get To Phoenix". Foi a primeira música que Glen ouviu, chegando a se emocionar com a letra e, principalmente com o trajeto que o personagem empreende ao longo da canção: Los Angeles - Arizona - Novo México - Oklahoma. Quase o caminho inverso feito por ele em direção à cidade californiana.

Entrou em contato com o autor da música, Jimmy Webb, filho de um pastor batista de Oklahoma, com inacreditáveis 21 anos de idade. Essa parceria entre Webb e Campbell ainda rendeu mais três canções que se inserem no mesmo contexto de "By The Time I Get To Phoenix": "Galveston", "Where's The Playground, Susie" e, sobretudo, "Wichita Lineman", que ainda será dissecada por aqui. Jimmy Webb se firmaria como um dos grandes compositores pop de todos os tempos, ombro a ombro com seu mestre, Burt Bacharach, e gravaria com Cambpell o álbum Reunion, em 1974, com doze canções, entre elas os quatro sucessos citados acima.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Big Star - #1 Record (1972)


Hoje em dia, seguindo a tendência de que o ser humano precisa cada vez de mais tempo para gastar e ele não pode perder um segundo sequer para entender algo muito mais complexo, mesmo que isso seja ouvir alguém cantando sobre o amor perdido, a solidão, a chuva, o céu, enfim, acabamos obrigados a ser felizes sem pensarmos muito se podemos, devemos ou até se queremos ser agora. Talvez depois. Resumindo: a música pop se foi. Ou melhor, se tornou impopular. Virou um gueto, onde residem os artesãos forjados após muitas audições de discos dos Beatles, dos Beach Boys, dos Byrds e do Big Star.

Mesmo que não tenha sido intencional, Brian Wilson, líder dos Beach Boys, definiu em 1967 o que era o pop. Claro que os Beatles já haviam levado o termo pop ao extremo anos antes, mas Wilson acertou na mosca quando disse que queria "fazer uma sinfonia adolescente para Deus" ao se referir a seu abortado projeto "Smile". Pop é entrar em conexão direta com as mais belas melodias, subvertidas para o assovio, para o balbucio, para o cantarolar... e as melodias, amigos, vêm lá de cima.

Mas nem só de Beatles e Beach Boys viveu (e ainda vive) o bom pop. Uma singular formação de Memphis, Tennessee, levou o termo pop para o dicionário. Ironicamente contratado do selo Stax, espacializado em soul e black music em geral, o Big Star nasceu de uma desilusão dupla. Alex Chilton era vocalista e guitarrista de uma banda de soul branco chamada Box Tops enquanto Chris Bell era guitarrista e vocalista de um trio de rock americano com cara de inglês chamado Ice Water. O Box Tops ficou famoso, principalmente na Inglaterra, com o estouro de "The Letter", uma cançoneta pop com tinturas de blue-eyed soul. Bell e Chilton eram colegas de colégio, mas não tão amigos como se supõe.

Após fracassos simultâneos, os dois mais Andy Hummel (piano, e baixo) e Jody Stephens (bateria) formaram o Big Star, copiando o nome de um supermercado vizinho ao Ardent Studios, em Memphis. Ali gravaram o seu primeiro disco, chamado apenas de #1 Record, em 1972, e entraram para a história. Baladas absolutamente perfeitas, como "Thirteen" ou "The Ballad Of El Goodo" conviviam com faixas mais rapidinhas como "Don't Lie To Me" e fizeram do disco uma verdadeira bíblia do que se chamou de power pop. Bell e Chilton continuaram se estanhando e o segundo acabou saindo da banda por divergências musicais. Bell permaneceria no anonimato durante a década de 70, gravando ocasionalmente, ajudado por seu irmão David. Esses registros foram resumidos no disco I Am The Cosmos, de 1978, póstumo, já que Bell se espatifou num acidente de automóvel.

Chilton seguiu com a banda e numa errática, mas impecável carreira solo. Mas a semente estava lançada. O que o Big Star fez com maestria (e outras bandas da época, como Badfinger e Raspberries) foi aperfeiçoar a faceta pop das bandas inglesas do primeiro (Beatles) e segundo escalão (Hollies, Herman's Hermits, Zombies), tornando-as ensolaradas e livres de seu original fog britânico.

Ao fazerem isso, estes pioneiros forjaram um novo som. Criaram padrões e, como todos os pioneiros, não viram fama ou fortuna. Uma injustiça que pode ser reparada por você, adquirindo #1 Record em CD, aproveitando que a versão disponível neste formato ainda traz o soberbo segundo disco, chamado Radio City, gravado um ano depois, já sem Chris Bell.

Obrigatório para quem gosta de rock.


terça-feira, 18 de novembro de 2008

The Smiths - The Queen Is Dead (1986)


Stephen Patrick Morrissey era um adolescente problemático e introspectivo que fazia do seu quarto seu mundo. Ali ele passou sua mocidade inteira lendo Oscar Wilde e ouvindo cantoras dos anos 60, como Dusty Springfield, Nancy Sinatra, entre outras. Desenvolveu um acurado senso de humor (negro) e um gosto por poesia. Esta história, aparentemente banal e sem interesse para uma cidade cinzenta e lúgubre como Manchester, chegou ao conhecimento de Johnny Marr, a esta altura trabalhando em uma loja de discos do outro lado da cidade. Marr já era músico mas desempregado e duro.

O emprego na loja de discos ajudava no orçamento do rapaz, bem como no seu desenvolvimento musical. Todo o acervo podia ser ouvido por Marr, fato que o expôs ao vírus implacável do rock, cujo primeiro sintoma é a incontrolável vontade de montar uma banda. Marr foi ao encontro de Morrissey e ambos decidiram compor. As letras ácidas do primeiro foram perfeitamente assimiladas pelo senso musical do segundo. Para ocupar as vagas de baixista e baterista, vieram, respectivamente Andy Rourke e Mike Joyce.

Após o bombástico debut em 1984 com um álbum homônimo, os Smiths imediatamente foram alçados à condição de nova "última banda de rock do mundo", algo muito parecido com o que acontecera com o Clash. A Inglaterra carecia de alguém com algo a dizer, num tempo onde Boy George dava as cartas e Morrissey caiu como uma luva. Hatfull of Hollow , uma coletânea de compactos e gravações para as famosas Peel Sessions e Meat Is Murder vieram a seguir e tornaram os Smiths uma celebridade nacional. Porém, em 1985 eles iriam até os limites em termos de criatividade musical.

The Queen Is Dead é um disco com duas músicas a mais que as dez conhecidas. Os dois compactos que o antecederam, "Panic" e "Ask", são parte integrante do conceito da obra e estariam numa proporção igual a que Penny Lane e Strawberry Fields Forever estão para Sgt.Pepper's. Em “Panic”, Morrissey bradava "enforquem o DJ, que não toca o que eu quero ouvir" e em “Ask” ele disparava "isto não é amor, é a bomba atômica que nos mantém juntos". Os fãs se esbaldaram e os detratores se municiaram. Enquanto a primeira música do novo disco, “The Boy With The Thorn In His Side”, cujo compacto trazia uma montagem com a cara de um Truman Capote adolescente, ganhava as paradas nos dois lados do Atlântico, os Smiths preparavam as estratégias de lançamento.

The Queen Is Dead
chegou na virada de 1985/1986 e com pinta de campeão. A evolução dos arranjos de Marr é impressionante. Além dos habituais entrelaces de violões e guitarras, há a inclusão de cordas e flautas. A capa, uma foto de Alain Delon, de 1965, como se estivesse morto, significava o fim de um tempo. Segundo Morrissey, a raínha morta seria o fim do tédio, a libertação das tradições aristocráticas da Inglaterra, em suma, um soco na cara do estabilishment vigente. As canções são um capítulo à parte. São dez manifestos de humor negro contundente, incluindo uma luminosa autocrítica em “Bigmouth Strikes Again”, até um neo-punk em “Cemetery Gates” e na faixa-título. Uma belíssima balada de amor e morte em “There's a Light That Never Goes Out” e uma divertida crítica às meninas britânicas em “Some Girls Are Bigger Than Others”.

A banda ainda daria ao público “Strangeways Here We Come” em 1987 e “Rank” em 1988, para encerrar suas atividades, após uma grande porradaria entre todos os seus membros. Morrissey seguiu em carreira solo e nunca conseguiu repetir o êxito dos tempos iniciais. Marr tocou com uma série de bandas, como Pretenders e Talking Heads e os cozinheiros Rourke e Joyce sumiram na poeira.

Poucos álbuns depois de The Queen Is Dead conseguiram repetir essa combinação dos discos perfeitos, onde capa, música, músicos e atitude, integrados, formam uma idéia única, onde a banda entra em total sintonia com o que quer fazer e faz. Penso que apenas o Nirvana conseguiu isso com seu Nevermind em 1991. E já faz muito tempo.

domingo, 16 de novembro de 2008

Joe Jackson - Night And Day (1982)


Se Paul Weller embarcou no Jam, Joe Jackson e Elvis Costello travaram uma batalha saudável de relevância para a música pop sem que tivessem noção disso. Os dois - que têm a mesma idade e o mesmo approach musical - se alternaram várias vezes como a novidade da semana nas paradas inglesas e fizeram a delícia dos fãs esclarecidos de música pop da juventude classe média da Velha Ilha.

Um belo dia as guitarras do punk - um exagero porque nem Jackson ou Costello poderiam ser enquadrados na figura clássica do punk rocker - provaram ser insuficientes para os dois sujeitos. Ambos trabalharam exaustivamente em novos discos nos quais pudessem mostrar ao mundo que eram mais que performers, queriam ser reconhecidos como autores, songwriters.

Se Costello saiu-se com o sombrio e genial Imperial Bedroom, o ano de 1982 ainda assistiria ao lançamento de Night And Day, o tal quinto disco de Joe Jackson. Era um passo ousado, mesmo para um pequeno virtuose no piano como ele. A idéia era homenagear um dos maiores songwriters de todos os tempos com o nome de uma de suas mais famosas canções logo no título do disco, justo para dar ao público a noção exata que a coisa ficara séria.

Na capa está uma gravura mostrando Jackson ao piano com os arranha-céus de Nova York ao fundo, reafirmando o grande fetiche que os ícones americanos representam para os ingleses. Junto com esse clima vem a idéia que Night And Day é um disco urbano por excelência, um feixe de nove canções sobre a cidade, a noite, a bebedeira, o glamour e o negativo/oposto que constitui o dia, quando você é um boêmio/bebum da vida.

O álbum é um trabalho de letras, timbres e harmonia, todas baseadas no piano, reafirmando a distinção clara entre "noite" e "dia", através de cada um dos lados do antigo vinil, algo que era muito mais legal quando os velhos LPs dominavam o mundo. Se em CD a coisa já perdera a graça, os cuidadosamente arquitetados lados night e day perderam o sentido numa realidade de mp3. A verdade é que a ordem das canções importava e muito para Jackson, que resolveu abrir a noite de seu disco com sua melhor canção em todos os tempos: "Steppin' Out".

O que temos em menos de quatro minutos e meio de música é um pequeno milagre da música pop no qual Jackson metaforiza a noite como rito de passagem, ou seja, vamos para a noite pois ela nos modificará e nos levará para um estágio mais avançado. Seria uma espécie de droga legal, de maturidade portátil e ao alcance de todos os que se disponham a caminhar para dentro dela.

O início de "Steppin' Out", num fade in que traz a bateria eletrônica, o piano e o baixo sintetizado mostram que a assinatura é toda de Joe Jackson. As palavras dão a noção exata do que ele pretende misturando noite e maturidade, principalmente nos versos: "We are young but getting old before our time - We'll leave the t.v. and the radio behind - Don't you wonder what we'll find steppin' out tonight", algo como "somos jovens mas estamos envelhecendo antes do tempo, deixaremos a TV e o rádio para trás, você não tem idéia do que encontraremos caminhando para dentro da noite".

O disco chegou ao topo das paradas inglesas e americanas, abrindo espaço para Jackson nos Estados Unidos. Ele deu vazão ao seu lado "sério" através de trabalhos tão diversos como a trilha sonora de Tucker, filme ambientado nos anos 50, dirigido por Francis Ford Coppola em 1988, como em discos como Laughter & Lust (1991) e Heaven & Hell (1997), sobre os sete pecados capitais. Jackson acaba de lançar seu novo trabalho, Rain. Desde já é um dos melhores discos da carreira dele e, provavelmente, um dos melhores do ano.

sábado, 15 de novembro de 2008

Stereolab - Mars Audiac Quintet (1994)


Há dois tipos de discos do Stereolab: os experimentais e os melódicos. No primeiro tipo, o casal Tim Gane e Laetitia Sadier incorporam blips e blops diversos em verdadeiros exercícios estilosos de música pop, banhada de rock alemão dos anos 70 (o tal krautrock), nos quais eles ampliam conceitos e contextos. Aliás, o próprio nome da banda vem dessa idéia de buscar sons futuristas e inusitados, sendo "stereolab" o nome de um dispositivo sonoro roubado de experiências secretas, como num filme de 007 com Sean Connery no papel principal.

Os melódicos são mais interessantes para o fã de música pop. Neles, o casal se vale do aparato tecnológico para criar delicadas canções atemporais a tal ponto que poderiam estar na trilha sonora do tal filme de James Bond acima, bem como na lista de algum DJ bem informado, tocando num buraco da Inglaterra. Os vocais de Laetitia, quase sempre em francês, são delicados e compõem o contraponto ideal para as cascatas de sons que Gane vai colocando, camada por camada.

Em Mars Audiac Quintet o Stereolab tem seu disco mais melódico, seguido de perto pelo trabalho seguinte, Emperor Tomato Ketchup (1996). Com a participação de Sean O'Hagen, líder dos High Llamas e fã de Brian Wilson, a epifania sonora foi mais intensa do que nunca. A abertura com "Three Dee Melodie" já nos leva para as alturas, com riffs de órgão e bateria econômica, tudo servindo de cama para Sadier exercitar sua coqueteria vocal. O contracanto de Mary Hansen (vocalista precocemente falecida em 2002) faz milagres sonoros. "Wow And Flutter" quase parece uma canção normal, cheia de guitarrinhas sutis e tecladinhos espertos, novamente colocados à serviço de Laetitia. "Transona Five" mais parece uma viagem de Brian Wilson à Lua, enquanto "Des Etoilles Electroniques" é cheia de barulhinhos em meio a um órgão dominante.

O momento iluminado do disco está, entretanto, em "Ping Pong". Esta foi a primeira canção da banda a fazer sucesso radiofônico e clípico e permanece, até hoje, como um dos grandes acertos da década passada. São três minutos e dois segundos de perfeição melódica. O início é rapidinho, agitadinho, capaz de te levar para a pista de dança. Aí entra o vocal de Laetitia, sempre em francês, falando sobre... o marxismo e o vai-vém da economia mundial como um resultado de prosperidade e miséria, além de mencionar a riqueza mal distribuída do mundo. Os vocais principais se trançam aos backings, dando uma passagem imediata para os arranjos easy-listening sessentistas que tanto deram fama a Burt Bacharach e mesmo Ray Conniff.

O disco ainda avança mais dentro do crossover melodia-modernismo retrô, numa viagem que poderia ser a bordo da espaçonave Jupiter Dois, de Perdidos no Espaço.

Stereolab permanece como uma banda ímpar no cenário musical, ao menos da década de 1990, e tem credenciais para encarar um monte de gente influente e talentosa, exibindo uma característica lamentavelmente ausente nos dias de hoje: capacidade de remodelar influências, misturá-las e fazer algo novo e pessoal.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Yo La Tengo - I Can Hear The Heart Beating As One (1997)


Talvez porque eu estava perto dos trinta anos. Talvez porque era o fim da minha faculdade, talvez porque o mundo era mais redondo, sei lá. Esse disco do Yo La Tengo tem um imenso valor sentimental e me faz lembrar de um monte de pessoas e lugares. Nada muito longe, nem muito excêntrico, apenas uma multidão de pessoas que não estão mais por perto e lugares que eu não freqüento mais. É a vida, acho.

Foi o primeiro trabalho que eu ouvi do trio de Hoboken, Nova Jersey. Estava eu na Spider, lojinha simpática - acho que já me referi a ela em algum post - procurando novidades quando me deparei com a capa dourada e vermelha, pedindo para ser notada em meio aos outros discos normais da prateleira. Quando vi o selo Matador e a cover de "Little Honda" dos Beach Boys, tive um bom presságio. Após ouvir a segunda faixa, "Moby Octopad" no som da loja, tive a certeza definitiva de que teria que levar o disco. Veja, essa canção é uma das melhores melodias da década de 1990 e pouca gente sabe disso. É o anti-britpop, o anti-techno, o anti-grunge e, ao mesmo tempo, tem lugar garantido ao lado dessas tendências noventistas sem que muito esforço precise ser feito.

O YLT é Georgia Kaplan, James McNew e Ira Kaplan. É uma banda que se inspira - pelo menos nesse trabalho - em Velvet Underground, Sonic Youth (em sua faceta mais melodiosa) e Kinks, de maneira sutil a ponto de jurarmos que algo realmente novo está sendo feito. Poderíamos dizer que o Yo La Tengo é uma formação irmã do Luna, mas isso não seria muito preciso pois o espectro sonoro do trio vai longe. Neste disco, além da melodia hipnótica de "Moby Octopad" temos pop enguitarrado indie noventista em "Sugarcube", viagem ao lado escuro da Força em "Damage", noise cheio de guitarras saturadas em "Deeper Into Movies", balada curtinha e tristinha na voz de Georgia em "Shadows", pop perfeito em "Stockholm Syndrome e na cover de "Little Honda", além de mais um monte de tendências e modinhas que são tangenciadas levemente, sutilmente.

No fim do disco, como uma pequena canção de roda, está "My Little Corner Of The World", que pega pelo pé quem via seriados da época como Party Of Five, Everwood, Providence, My So Called Life e, sobretudo, Gilmore Girls, que a incluiu em sua trilha sonora.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Boy - U2 (1980)


Boy parece ter sido gravado no meio das ruas de Dublin, Irlanda, num tempo impreciso. A certeza que temos imediatamente é que uma banda crente que pode mudar o mundo está por trás desse disco. O U2 de 1980 era adorável e admirável por vários motivos, todos eles presentes ostensivamente em Boy.

The Edge, Adam Clayton, Larry Mullen e, principalmente, Bono, estão tocando como se suas vidas dependessem desse disco. Tudo é ingênuo, mas extremamente bem feito e - usando uma palavra atual - cheio de comprometimento em Boy. Com o que? Com eles mesmos e seus ideais. Por mais que sejamos chatos com o idealismo de Bono, não dá para dizer que ele não é autêntico e dedicado quando, aos 19 anos, entoa canções como "I Will Follow", "A Day Without Me" ou "The Electric Co." pensando, sim, num mundo melhor, sem disputas religiosas e políticas.
Muita gente pode dizer que o sujeito não sabia o que estava cantando e eu chego a duvidar totalmente que Bono não tenha se valido desde o início de um certo talento para o drama, porém, mesmo que isso seja verdade, como depor contra a massa sonora que suporta suas letras?

Dentro de uma variante realmente original do que se convencionou chamar pós-punk, o U2 encontrou seu lugar. As guitarras de Edge, ainda sem cara própria, dominam a cena e preenchem o espectro sonoro com camadas e mais camadas, num trabalho admirável de produção - a cargo de Steve Lillywhite. Adam Clayton, sempre discreto, dialoga com um eloquente Larry Mullen. Talvez o baterista nunca tenha aparecido tanto num disco da banda como em Boy. Ele imprime ritmos tortos, cheios de alternativas, enquanto Bono voa pela paisagem, cantando com vigor e paixão.

Neste ano a Universal lançou os quatro primeiros discos do U2 em versões duplas, cheias de bônus tracks e sobras de estúdio. Além de Boy, October (1981), War (1983) e Under A Blood Red Sky (1984) aparecem com áudio remasterizado e totalmente transformados pelo material extra. No caso de Boy, estão presentes as faixas do primeiro EP da banda, o U2-3, além da inédita versão de estúdio da favorita de shows "Eleven O'Clock Tick Tock", bem como versões ao vivo igualmente inéditas. Tudo é perfeito em Boy, amigos.

Que belo disco de estréia!

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Paddy McAloon - I Trawl The Megahertz (2003)


Este é um disco assombroso e muito, muito bonito. Mesmo que você não seja fã da banda que Paddy liderou nos anos 80/90 - o Prefab Sprout - imagino ser impossível não se emocionar com este primeiro disco solo de McAloon. Quando eu soube da existência de I Trawl The Megahertz, num tempo em que os downloads ainda não eram tão rápidos ou fáceis, importei-o sem nem ouvir um único som vindo dele. Apenas sabia, com relativa tristeza, que Paddy enfrentava uma doença degenerativa que atacava sua visão. O homem estava quase cego.

Essa condição de sáude foi decisiva para a composição do disco. Paddy sempre fora um adepto das melodias perfeitas, que ele compunha inspirado igualmente por Brian Wilson, JOe Jackson, Steely Dan, Paul McCartney e Elvis Costello, mas sempre tivera um fraco pelo cancioneiro americano dos anos 30/40, gente como Jerome Kern, Cole Porter, Ira Gershwin ou Irvin Berlin. Essa sutileza pode ser oberervada nos discos do Prefab Sprout, principalmente em sua maior obra, Two Wheels God, de 1985.

Em I Trawl the Megahertz, McAloon, virtualmente cego, comanda a produção, não toca nenhum instrumento e só balbucia algumas palavras lá pela sétima canção, "Sleeping Rough", o que não impede que o álbum seja absolutamente confessional e auto-biográfico de uma forma que nenhum disco da antiga banda jamais fora. Com um instrumental esparso e textos recitados por vozes masculinas e femininas, as canções se assemlham a reflexões meditativas ou mesmo sonhos, sem o erro de resvalar para a pieguice no comentário. A faixa-título, com 22 minutos, é o mais próximo que um compositor pop chegou do formato clássico, sem querer. Só essa canção coloca as tentativas eruditas de Paul McCartney e Billy Joel no chinelo. E Paddy, provavelmente, jamais pensou nela como uma obra erudita. Outras músicas belíssimas podem ser achadas pelo disco adentro, como "I'm 49", "We Were Poor..." e sua continuação "...but We Were Happy".

A presença de instrumental clássico, entre eles uma orquestra completa, regida por Robert McFall confere ao disco uma aura atemporal, ainda que ele soe extremamente urbano e moderno, sem qualquer sombra de hype ou badalação. Pouco tempo depois, já no advento do Youtube, pude conferir uma apresentação do Prefab Sprout - basicamente Paddy e músicos convidados - num festival na Irlanda. O homem estava totalmente desfigurado - gordo, cabeludo - e executava uma versão sublime do maior hit da carreira, "When Love Breaks Down", para uma platéia que ouvia respeitosamente. Dois anos depois ele estaria quase cego, gravando esse disco e exorcizando seus demônios e tristeza.

Ao contrário do que pode parecer, I Trawl The Megahertz não é triste, mas é daqueles trabalhos que nos emocionam de tão belos.

PS1: Paddy McAloon recuperou a visão e curou-se.
PS2: Por falta de um registro em vídeo de uma canção do disco, coloco o vídeo de McAloon cantando "When Love Breaks Down" no festival de Fleadh, Irlanda, 2000.

domingo, 9 de novembro de 2008

R.E.M - Document (1987)

A imagem do clipe em que um garoto brinca com seu cachorro nas ruínas de sua casa irrompeu nas televisões de um mundo muito esquisito: o planeta Terra de 1987. Nada pode ser mais diferente da nossa realidade que um ambiente em que não havia celular, fax, computadores em casa, internet. Nessa estranha sociedade, o maior avanço era o CD, iniciando sua popularização neste mesmo ano, com o lançamento da nova coleção de players de mesa da Phillips. Enfim, creiam, era tudo muito diferente.

Veja o póprio REM, por exemplo: a banda já tinha seis anos de carreira, ainda lançava seus discos através do selo independente IRS e enfrentava o final de uma década que primara pelo aparecimento de megapopstars, como George Michael, Madonna, Michael Jackson, Phil Collins. O recente estouro do U2 nas paradas dos dois lados do Atlântico com seu disco Joshua Tree, no entanto, dava a idéia de que uma banda de rock poderia pleitear seu espaço nesse Olimpo da fama e da superexposição na mídia.

O REM não parecia querer nada disso. Sempre foi uma banda de rock, com raízes no sul dos USA, mas que nunca pôde ser catalogada como uma formação de "southern rock", como o Allman Brothers, por exemplo. A influência do punk rock e do Velvet Underground, filtrados pelo olhar de jeca esclarecido que a banda possuía dava o diferencial que o REM precisava para merecer créditos. Vindo de Life's Rich Pageant, um quarto disco em que exorcizava uma certa seriedade e enfatizava sua pegada rock, o REM já tinha um lugar só seu no coração dos ouvintes das rádios universitárias da América. Ali, ao lado deles, batalhavam Sonic Youth, Hüsker Dü, Replacements, Pixies, ou seja, a geração que influenciaria toda a cena rock dos anos 90, todos a ponto de conquistar seu lugarzinho ao sol.

O REM mostrava mais condições para o chamado "breakthrough" e isso veio com o estouro de "The One I Love" nas paradas de sucesso. Varou o âmbito universitário e foi parar no Top Ten da Bilboard em pouco tempo. Mas Document, o tal quinto disco, primeiro a contar com a co-produção de Scott Litt (que seria o produtor do grupo dali para frente) trazia seu maior momento no que se constumava chamar de "última do Lado A". Uma virada de bateria seca introduz o ouvinte num turbilhão punk que poucos ousariam fazer naquele tempo. Michael Stipe entra com o pé na porta e solta em velocidade warp uma série de pequenas análises do que 1987 parecia aos olhos do americano esclarecido - uma espécie não tão rara quanto pensamos - e apontava uma metralhadora vocal giratória em todas as direções possíveis. “It's The End Of The World As We Know It (And I Feel Fine)”, ou seja, "é o fim do mundo como o conhecemos e eu me sinto bem", cunhou expressão idiomática e passou a ser uma espécie de "prima indie" do nascente sucesso da banda.

Mesmo que seu clipe passasse sempre na MTV e nos programas de clipes primitivos daqui (Clip Clip, da Globo; FMTV, da Manchete; BB Videoroll; da CNT) a música guardava uma aura de contestação - real - que se tornaria uma marca registrada do REM, algo que eles estavam a ponto de perder um ano antes e que jamais deixariam de lado até hoje.

O fim do mundo como o conhecemos foi erguido sobre riffs muito velhos, mais precisamente, de 1964/65, de uma canção de Bob Dylan, chamada "Subterranean Homesick Blues". É uma metáfora poderosa para a vindoura overdose de informações que caracterizaria nossas vidas a partir da década seguinte, que enfileira pessoas e momentos do século XX, numa espécie de aula de História de quatro minutos e pouco de duração. O instrumental é puro country-punk, uma cruza maluca entre Byrds e Hüsker Dü ou Dylan e Replacements e sua letra quilométrica nunca foi problema para as multidões que se formaram a partir dali nos shows do REM.

“It's The End...” não chegou às paradas e nasceu torta, filha de uma outra canção, chamada "Bad Day". A banda não conseguia fechar esta música e ela ficou arquivada por um ano, sendo totalmente trabalhada e reescrita por Peter Buck, que manteve os acordes principais e a mesma nota. Somente em 2003 o REM lançaria a versão final – e muito parecida com “It's The End” - para “Bad Day”, em sua coletânea The Best Of REM.

Document foi o último disco da banda pela pequeno selo IRS e seu sucessor, Green, de 1989, já seria lançado pela Warner, que comprara o passe do REM na negociação mais cara da época, por cinco discos a serem lançados.

sábado, 8 de novembro de 2008

Moody Blues - Long Distance Voyager (1981)


Engraçado como poucas pessoas lembram da existência do Moody Blues fora do eixo progressivo de apreciação musical. Geralmente ouvimos um certo senso comum opinando sobre Genesis, Yes, Pink Floyd, talvez King Crimson. Os Moodies, coitados, sempre são sacados da conversa. Isso é lamentável, principalmente porque a banda tem, pelo menos, uns dez discos belíssimos, alguns essenciais para o entendimento do rock progressivo mais soft, distante do modelo de canção grande ou das tentativas - chatas para o ouvinte médio - instrumentais de mostrar habilidade e relevância.

O mais interessante é observar que todas essas formações progressivas envelheceram demais no fim dos anos 70 e adentraram a nova década procurando uma sonoridade que as colocasse no mesmo grau de relevância das bandas pós-punk e/ou new wave. Essa atitude gerou verdadeiros monstros musicais, no bom e no mau sentido. A criação de Long Distance Voyager se encontra entre os acertos dentro dessa nova visão musical.

Este é o segundo disco do Moody Blues a surgir depois da parada que a banda empreendeu após o lançamento do maravilhoso Seventh Sojourn, em 1974. Quatro anos depois veio o irregular Octave, o que nos leva a esse feixe de canções de 1981. O uso do sintetizador emulando sonoridades futuristas de videogame está aqui, dando origem aos timbres "Hollywood ao Sucesso" que marcaram bandas como Asia ou Journey. Só que, à medida que esses grupos surgiram emulando o modelito sonoro, Moody Blues, Yes, Pink Floyd, Genesis, já estavam lidando com eles anos antes.

Justin Hayward, John Lodge, Ray Thomas e Graeme Edge recebem Patrick Moraz, ex-Yes, para assumir os teclados - posto vago desde a saída de Mike Pinder, após as sessões de Octave, o disco anterior. O que temos é um belo disco, com uma visão ambiciosa, mas usual para a época: o Moody visava emplacar hits nas paradas radiofônicas conseguir cravar dois com Long Distance - o rock "The Voice", energético até demais para "velhos" rock'n'rollers e a belíssima balada "Talking Out Of Turn", minha Top 2 do cânon Moodie, perdendo apenas para a soberba e arrepiante "New Horizon", de 1974.

Lembro de me deparar - via rádio - com a excelência sinfônica de "Talking..." num desses programas da madrugada, cujas músicas nem eram anunciadas - algo que se tornou usual hoje em dia - e que me causou desespero até descobrir o grupo que cantava aquela música. A composição e letra - a cargo de John Lodge - falam dos momentos em que as pessoas não se entendem mais, falam besteira, se arrependem, tentam voltar atrás e percebem que já é tarde. Tema triste, mas, de certa forma, incomum para uma banda progressiva abordar. Além dela e de "The Voice", Long Distance Voyager ainda guarda a simpaticíssima aventura roqueira de "Veteran Cosmic Rocker" e as plácidas "Painted Smile" e "Meanwhile". O clima anos 80 fica por conta da datadíssima "Gemini Dream", uma overdose de sintetizadores mal orientados. Ou não.

Para conhecer os Moodies, o caminho é o seguinte: ouça TODOS os discos gravados entre 1967 e 1974. Depois, familiarizado com o padrão da banda, caia dentro dos trabalhos oitentistas deles e se esbalde com as tentativas de um dinossauro discreto do prog-rock em manter-se atual. Vale a pena.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Scott Weiland - 12 Bar Blues (1998)


Não dá pra imaginar que o vocalista encrenqueiro e junkie de Stone Temple Pilots e Velvet Revolver seja o responsável por um disco como 12 Bar Blues.

Não é preconceito, muito pelo contrário. As bandas das quais Weiland participou nunca foram notáveis pela inovação ou arrojo em seus trabalhos. 12 Bar Blues é o oposto da estética hard-rock/grunge paraguaio que caracterizava as aparições de Weiland na mídia, até então. Mesmo porque esse disco passou quase em branco nas mentes mundiais, certamente uma injustiça das maiores. Logo após a gravação do bom Tiny Music From The Vatican Gift Shop (1996), o Stone Temple Pilots viu uma recaída de Weiland em direção ao uso de heroína e outras drogas. Antes desse disco, Scott havia estado numa clínica de reabilitação e, aparentemente, estava limpo.

A nova queda do vocalista fez com que os irmãos Dean e Robert DeLeo fundassem uma banda paralela, chamada Talk Show, aparentemente numa decisão de barrar do STP para sempre. O disco homônimo da nova formação - com o vocalista Dave Coutts - não fez sucesso mas isso não impediu que um Scott Weiland resoluto entrasse no estúdio para gravar seu primeiro trabalho solo. Para a produção ele requisitou Daniel Lanois, o canadense atmosférico, escudeiro de Brian Eno na concepção de grandes discos do U2 e de um belo disco de Bob Dylan, Oh, Mercy (1989). O resultado foi este magnífico 12 Bar Blues.

As canções se comportam como se estivessem num desfile de influências acima de qualquer suspeita no rock dos anos 70. O ponto de partida para tudo é o glam rock de Bowie e Roxy Music, mas filtrado pela visão 98 de música, o que significa uma adição pesada de eletrônica, ambiências trip-hopescas e um toque estravagante muito bem-vindo. Canções como "Barbarella" (alternando bossa-nova e guitar rock), "Mockingbird Girl" (uma delicada balada techno-acústica com tinturas beatles), "The Date" (psicodelia tecladeira enguitarrada) e, sobretudo, "Lady Your Roof Brings Me Down" (uma marcha fúnebre com acordeon e estilo Tom Waits) são espantosos exemplos do que Weiland pode fazer sem as amarradas de antes. Com ele no estúdio, além de Lanois, estão figuras inesperadas como Sheryl Crow (tocando acordeon) e o pianista de jazz Brad Mehldau. O holofote, no entanto, está sobre Weiland, que comanda guitarras acústicas, sintetizadores, baixo, percussão, piano, vibrafone, beat-box e o escambau a quatro.

Depois desse trabalho, Weiland e os irmãos DeLeo se reconciliaram, separaram, foram e voltaram, além do vocalista aceitar a partipação no medíocre Velvet Revolver, ao lado de Slash. Uma pena. Weiland tem (ou tinha) muito pra mostrar.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Jorge Ben - Jorge Ben (1969)


Qual o melhor disco já feito no Brasil? Clube da Esquina? Chega de Saudade? Transa? Refazenda? O disco de Roberto Carlos de 1969? Talvez a escolha do disco homônimo de Jorge Ben, lançado também em 1969, fosse uma bela opção de consenso. Moderno, transgressor, belíssimo, cheio de apelo pop, inovador, todos esses termos se aplicam ao feixe de 11 canções que Ben gravou nesse trabalho.

Depois de lançar o bom álbum Bidu - Silêncio no Brooklin (1967), no qual ainda não havia encontrado uma formatação ideal para sua mistura de conversa mole com samba, rock, pop e mais um monte de ritmos que não têm definição técnica ou escrita, Ben reafirma sua posição de cronista estético da música popular brasileira, via samba e negritude, sem ser, no entanto, hermético. Talvez ele nunca tenha pensado seriamente nisso, mas poucas vezes algum artista conseguiu sintetizar tão bem uma realidade musical tão complexa como a nossa.

Jorge evoluiu do status de inventor de uma nova maneira de tocar violão, ousada demais para a elitista Bossa Nova e intrincada demais para a Jovem Guarda. Se ele passou a primeira metade da década de 1960 meio deslocado e a situação se agravara porque nem os novíssimos tropicalistas eram capazes de contemplar seu som. Restou a ele permanecer atento às musas do Rio Comprido, aos livros de Alquimia, aos mistérios do violão, ao Flamengo, enfim, a todos os elementos que o inspiravam constantemente.

Com esse disco, Ben foi maior que tudo feito no Brasil na época. Mais moderno até que os Mutantes, então no auge. Aliás, após o lançamento do álbum, Jorge foi assediado pela nata da modernidade nacional. Caetano Veloso e Gal Costa se apressaram em gravá-lo, os Mutantes o convidaram para participar de "A Minha Menina", totalmente formatada nos moldes Benianos e com versão até em inglês. Depois todos lhe dariam o valor merecido.

Não bastasse os atributos artísticos já mencionados aqui, Jorge Ben - o disco - traz uma grande quantidade de sucessos dourados e marcantes da carreira do sujeito. Aqui estão "Tereza", "Que Pena", "Domingas", "País Tropical", "Charles Anjo 45", "Bebete Vambora" e "Take It Easy My Brother Charles", lindas e novíssimas, prontas para chocar aqueles que achavam que habitavam a crista da onda. No comando dos arranjos estavam monstros - que seriam gênios se nascessem nos USA ou Inglaterra - Rogério Duprat e José Briamonte.

Jorge Ben iniciou um período de fertilidade criativa ímpar na carreira de qualquer artista nacional ou estrangeiro. Vieram, um após o outro, entre 1969 e 1976, trabalhos do quilate de Força Bruta, Negro É Lindo, Ben, Tábua de Esmeralda, 10 Anos Depois, Solta O Pavão, África Brasil e a parceria com Gilberto Gil em Gil & Jorge.

Tudo aqui é perfeito e é lamentável que este álbum esteja fora de catálogo no Brasil há tanto tempo, restando a edição americana do selo Dusty Groove como consolo. Aliás, Força Bruta, de 1970, também ganhou edição gringa. Vale a pena.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Depeche Mode - Violator (1990)


Violator é, sem dúvida, o melhor disco já feito pelo Depeche Mode. Desde sua estréia em 1981, quarteto de Basildon, Inglaterra, definira seu som como um mix de Kraftwerk, Roxy Music e a fase Berlin de David Bowie, sob a estética mais moderna que a época permitia: o chamado "new romantic", totalmente eletrônico, sem outro instrumento que não fosse sintetizador e teclados. Precisaram de seis discos e mais um álbum duplo ao vivo para atingir o brilho ofuscante de Violator.

Os dois trabalhos anteriores do Depeche, Music For The Masses (1987) e o ao vivo 101 (1989) já mostravam que algo estava mudando na banda. A ingeuidade camp-pervertida estava dando lugar a um talento inevitável para a ourivesaria pop, vide o sucesso mundial perene de "Strangelove", faixa de Music For The Masses que até hoje levanta pistas de dança. Mas não era só isso: a "cara" do disco ao vivo, gravado na perna americana da turnê de divulgação de Music... apontava para algo emprestado da estética Joshua Tree do U2, algo como se o Depeche procurasse seriedade, legitimidade, relevância, algo capaz de tornar a banda mais importante que mera fazedora de tecnopop e, quem sabe, peitar New Order e Pet Shop Boys de igual pra igual no mundinho clubber inglês. As três bandas lançaram discos perfeitos no período 1989-90; o New Order veio com Technique, o PSB com Behaviour e o Depeche cravou o melhor dos três, Violator. E foi pra galera.

Violator, no entanto, não tem nada de alegre. É um disco nigérrimo, dark, obsessivo, o oposto dos discos das formações "rivais", capaz de pegar emprestados elementos do rock - algo inédito no cânon depechiano - e torná-los "tecno" naturalmente, como se sempre estivessem ali. A abertura do disco com "World In My Eyes" já coloca o ouvinte a par do que está por vir, numa evolução do que viera até então, mas é em "Personal Jesus", a terceira música de Violator que o bicho pega. Numa mistura de funk de branco com hip-hop e ares europeus. Martin Gore e David Gahan, vocalistas e cérebros da banda, oscilam performances tristes e raivosas, deixando músicas como "Enjoy The Silence" no rol dos grandes singles de todos os tempos. A seqüência, "Policy Of Truth", pulveriza riffs de teclado, bateria robótica e uma insuspeitada tendência para o groove em pouco menos de cinco minutos de perplexidade.

As nove faixas de Violator são conceituais, focadas numa idéia dark moderna e deserta - que ainda não envelheceu - algo como um anti-Achtung Baby (disco que o U2 lançaria um ano depois e que redirecionaria sua carreira). Não por coincidência, na produção de Violator está Flood, o sujeito que ajudaria Brian Eno a recriar a banda irlandesa em Berlin, poucos meses depois.

Violator é um dos grandes discos dos anos 80 e dos anos 90, ao mesmo tempo.

Kraftwerk - Trans-Europe Express (1977)


É impossível ouvir este disco do Kraftwerk sem uma expressão de perplexidade no rosto. Várias perguntas vêm à mente: como eles conseguiram fazer esse som sem samplers? Como pensaram nessa atmosfera futurista há 31 anos, ainda futurista hoje? Como bolaram essa estética robótica que não envelheceu? Como podiam fazer algo como esse disco no ano que entrou para a história como o marco-zero do movimento punk?

Este é meu disco preferido da banda alemã, talvez porque contenha o equilíbrio perfeito entre a revolução e a melodia. Eu sou um defensor da música pop, aquela bem feita, bem trabalhada, e, por trás de todo o arsenal revolucionário do Kraftwerk e sua composições enormes, há uma obsessão pelo pop, digamos, mais que perfeito. Um formato que transcenderia instrumentos normais, duração normal, seria uma música "erudita-que-é-pop". Mesmo que as letras e ritmos sejam projetados para o futuro, Trans-Europe Express é retrô quanto às melodias.

Aqui o Kraftwerk presta uma homenagem ao Velho Continente, arremssando-o para o futuro, na melhor tradição alemã de vanguarda. O nome do disco já mostra isso, a faixa-título também, "Franz Schubert" e "Endless Europe" são bandeirosas. Mas há um alien no cânon do Kraftwerk nesse disco: "Hall Of Mirrors". A segunda canção do disco é totalmente diferente do modelo seguido até aqui e não desencadeou nenhum sucessor nos discos seguintes. Trata-se de uma canção pop autêntica, que se vale de loops espaciais de teclados, batida marcial, baixo eletrônico e efeitos mil para conduzir uma melodia triste e uma letra em inglês que canta sobre o homem e seu reflexo, seja ele produzido por espelhos, vidros, pensamentos, paisagens, lembranças. Por que o pop não pode ser "inteligente"?

Em Trans-Europe Express, o Kraftwerk foi mais relevante que tudo que se fazia no ano de 1977, sem exceção.

domingo, 2 de novembro de 2008

Echo And The Bunnymen - Echo And The Bunnymen (1987)


Em maio de 1987 os Bunnymen estavam com fome de bola. Na verdade, os outro quatro rapazes de Liverpool estavam retornando à cena com seu disco homônimo e sofrendo críticas meio tortas de fãs e jornalistas musicais ao redor do mundo. Muitos reclamavam que a aspereza dos primeiros trabalhos havia ficado para trás. Outros diziam que o novo disco só trazia um hit, "Lips Like Sugar". Hoje, 21 anos depois, posso afirmar que tudo isso é uma grande bobagem. Que o digam todas as milhares de bandas que foram influenciadas pela estética dos homens-coelhos.

Este quinto disco é um dos melhores trabalhos já gravados por Ian McCulloch, Les Pattinson, Will Sergeant e Pete De Freitas (em sua última participação na banda, dois anos antes de morrer num desastre de moto), justamente por apontar uma direção levemente diferente do que a banda mostrava no início da carreira. Quase não dá pra notar que os mesmos moleques da estréia de Crocodiles, lançado sete anos antes, estão tocando nesse disco. Na verdade, toda a herança da encruzilhada Velvet Underground/Doors/Bowie ainda está aqui, só que apropriada totalmente pela verve de McCulloch, cheia de nuances, passagens belíssimas, percussões inesperadas, teclados gelados (inclusive o de Ray Manzarek, dos Doors) e, sim, belas canções. O andamento de "Lost And Found", a pureza pós-punk imaculada de "Over You", o aceno bandeiroso aos riffs de teclado dos Doors (executado pelo próprio Manzarek, numa auto-homenagem) em "Bedbugs And Ballyhoo", o saque às paradas de sucesso com "Lips Like Sugar", tudo é 100% Echo And The Bunnymen e tem cheiro de novidade.

No tempo em que New Order, Cure e U2 (já na sua fase megastar) levavam as sonoridades mais escuras da Inglaterra oitentista, o Echo sempre esteve mais próximo do verdadeiro underground, seja nas letras, no visual, no som, algo que não chega a esconder as gentis porções de pop perfeito em suas canções.

Em maio de 1987 os Bunnymen tocaram para um Canecão lotado de felizardos. Muitos dizem que este foi o melhor show a que assistiram, talvez tenha sido. Lembro que deixei de ir por algum motivo irrisório e fútil. Se estivesse nessa platéia, minhas lembranças de Echo And The Bunnymen seriam ainda mais afetivas e queridas.

OBS: os cinco primeiros disco do Echo foram relançados em 2003 em edições remasterizadas, cheias de faixas-bônus e outtakes de estúdio. Esse disco traz, entre outras pepitas, uma cover sensacional para "Soul Kitchen" (dos Doors, claro), que supera a original. E olha que esse é minha canção favorita da banda de Jim Morrison.