quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Isaac Hayes - Hot Buttered Soul (1969)


O segundo disco de Isaac Hayes é uma das obras fundamentais para entender a soul music na virada dos anos 60/70. O formato habitual do single ja dava sinais de anacronismo diante de tanta experimentação musical, principalmente no rock. A psicodelia expandiu os limites estéticos rígidos e foi devidamente absorvida pelos artistas de soul, principalmente através da ação do produtor Norman Whitfield, da Motown. O sujeito transformou os Temptations em uma nova formação musical a partir de 1966.

E o que Isaac Hayes tem a ver com isso? O sujeito era arranjador, pianista e participara da lapidação de muitos hits da Stax, gravadora rival da Motown, que sempre teve seu formato sonoro mais apegado às tradições do blues e r&b, talvez com mais punch e guts. Hayes havia debutado em 1968 com Presenting Isaac Hayes, acenando com várias inovações, algo que esse segundo trabalho confirmou absurdamente. Não podemos dizer que Hot Buttered Soul é um disco psicodélico no sentido estrito do termo, mas podemos dizer que ele transpôs os limites antes de trabalhos como What's Going On (1971), de Marvin Gaye ou Talking Book (1972), de Stevie Wonder, apenas para mencionar dois monstros sagrados da música negra de todos os tempos.

O que Ike Hayes propõs nesse disco foi a subversão total de dois standards pop brancos, "Walk On By" (Burt Bacharach) e "By The Time I Get To Phoenix" (Jimmy Webb), transformando-os em duas novas canções. A primeira atingiu 12 minutos de duração, sendo totalmente refeita. Hayes arranjou a nova versão e instruiu os Bar-Keys (a segunda encarnação da banda residente da Stax, que fora vitimada num acidente aéreo em 1967, que matou Otis Redding) a soltar suas mentes e viajar nas melodias. O resultado é tão marcante e atemporal que segue como uma das maiores fontes de samplers do hip-hop atual, atingindo até quem não é do "gueto". O Portishead usou a faixa como grande manancial de timbres em seu primeiro disco, Dummy, em 1994.

"By The Time I Get To Phoenix", um clássico pop na voz de Glen Campbell, foi igualmente refeita em 18 minutos de uma suíte torturada e pungente. Ike demora quase nove minutos explicando e amplificando absurdamente a tristeza da solidão e os motivos da separação numa profusão de palavras sussurradas - que fazem Barry White, o maior aprendiz de Hayes, parecer um menino de coro gospel - para, adentrar a melodia e harmonia da música numa interpretação colossal. Teclados, pianos, baixos, bateria, metais, tudo parece parte de uma única criatura musical maior, nunca antes ouvida.

Hot Buttered Soul ainda teria mais duas canções, "Hyperbolicsyllabicsesquedalymistic", com pouco mais de nove minutos e "One Woman", com "míseros" seis minutos. Ainda que ambas sejam sensacionais, principalmente a primeira, com Ike e os Bar-Keys assombrando as formações brancas de r&b e blues. E pronto. Apenas quatro canções no disco.

A injustiça no mundo musical é uma constante e poucas vezes Hot Buttered Soul apareceu em listas de melhores discos de todos os tempos, nem mesmo por conta da prematura morte de Hayes nesse ano. Esse disco é um colosso de talento e invenção, algo que, infelizmente, ficou para trás.

Um comentário:

Eduardo Abreu disse...

Esse disco é uma obra-prima com apenas 4 faixas colossais. "Hyperbolic" é muito copiada até hoje e não é à toa. Até a capa é à frente do tempo, com Isaac posando de cabeça raspada e corrente de ouro grossa, coisa que os rappers bobalhões de hoje copiam e não sabem de onde veio. Mesmo assim, acho que o ápice musical de Isaac é a trilha sonora assombrosa de "Shaft". O homem era um gênio.