segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Recesso

Pessoal,

As postagens no blog serão interrompidas até o dia 15 de dezembro, ok?

Voltarei com novos velhos discos a partir de então.

Abraços e beijos.

domingo, 30 de novembro de 2008

Queen - A Day At The Races (1976)

Antes de mais nada, convém desfazer uma grande injustiça. O Queen é uma das melhores e mais consistentes bandas da história do rock. Quem viveu a adolescência nos anos 70 e 80 sabe que era impossível passar batido pela obra da Rainha. E, acrescentando um depoimento pessoal, o Queen foi a primeira banda de rock que eu ouvi na vida, sabendo que estava ouvindo rock'n'roll.

Quando isso aconteceu, por volta de 1983/84, a banda de Freddie Mercury, Brian May, John Deacon e Roger Taylor vivia um momento de transição, tentando se adequar às sonoridades oitentistas que o mundo ouvia. Era um tempo difícil para os chamados "dinossauros" do rock. O Queen fazia jus a esse título, uma vez que estava com treze anos de carreira e acabava de lançar seu décimo-segundo disco, The Works, puxado por três singles de grande sucesso, a saber, "Radio Ga-Ga", "I Want To Break Free" e "It's A Hard Life".

Mesmo que tentasse se adaptar aos novos tempos, o Queen ainda trazia seus elementos primordiais mais ou menos intactos. Nunca uma banda foi tão exagerada e deliberadamente cafona ao forjar seu som e seu visual. Egresso das hordas glam do início dos anos 70 e com um pé firme no nascente heavy metal, o Queen acabou tornando-se uma banda única, que fundia inegável pegada rock com cafonália operística e pianos melodramáticos, tudo isso executado com um cuidado extremo. Todos os integrantes do Queen eram afinadíssimos, grandes instrumentistas e compositores. A banda abusava dos arranjos que enfatizavam a guitarra de Brian May e a voz de Mercury.

Os três primeiros discos do Queen apresentaram a banda para o cenário britânico e a credenciaram para ousar compor e lançar um disco como A Night At The Opera, em 1975. Com pinta de álbum conceitual, o trabalho mostrava que a banda não era uma caricatura, muito pelo contrário. Nenhuma formação em atividade na época seria capaz de fazer um disco tão ousado. Puxado por "Bohemian Rapsody" e contendo hits inegáveis como "39", "You're My Best Friend" e o maior de todos, "Love Of My Life", A Night At The Opera arrebentou as paradas inglesas e adentrou a América triunfalmente.

A arte da capa foi criada por Mercury, e seu conceito foi aproveitado para o disco seguinte, A Day At The Races. Na verdade, o Queen sempre admitiu que A Night At The Opera e A Day At The Races são discos gêmeos, mas que deveriam ser lançados em ordem inversa. A seqüência com capa negra, lançada em 1976 é inferior ao blockbuster de um ano antes, mas trazia uma canção única no cânone da banda, algo que se tornou mais evidente depois da morte de Mercury em 1991 por conta da AIDS.

É importante dizer que, ao ouvir Queen pela primeira vez, era impossível perceber ou dar importância para a homossexualidade de Freddie Mercury. Isso e mais os excessos do som do Queen nunca deram credibilidade à banda junto à imprensa especializada. Até hoje eles são colocados numa espécie de patamar inferior a formações como Deep Purple ou AC/DC. Ao contrário dessas bandas, o som do Queen era mais diverso e amplo, emprestando tinturas progressivas e glam, colorindo o espectro sonoro com tonalidades que ninguém ousava na época.

Temos então A Day At The Races. Lançado no ano do nascimento do punk, 1976, o quinto disco do Queen também traz, a exemplo de seu antecessor, um título emprestado de filme dos Irmãos Marx. "Somebody To Love", a sexta faixa traz Mercury ao piano, com toda a dramaticidade possível, cantando sobre um amor nunca realizado, mas aguardado e até implorado. Mercury sabe que há uma pessoa certa para ele, clama a Deus (literalmente) por sua chegada, uma vez que não suporta mais sofrer com a solidão.

A banda - responsável sempre por todos os coros em todos seus discos - dá uma espécie de atestado de veracidade ao clamor de Mercury, assim como a guitarra de May, que chora ao lado de Freddie ao longo da música. As quatro vozes foram amplificadas em estúdio, soando como se fossem um coro gospel de cem vozes.

Em 1992, quando o Queen se uniu a vários artistas para um concerto em homenagem a Freddie, George Michael assumiu os vocais de "Somebody To Love" e, para a surpresa geral, conseguiu equiparar a performance de Mercury, numa demonstração de rara proeza vocal, ainda que Michael praticamente repita todos os trejeitos de Freddie.

O Queen emplacaria o Top 20 britânico e americano com "Somebody To Love" ainda em 1976 e lançaria no ano seguinte o exuberante News Of The World. Esse disco, mais A Night At The Opera, A Day At The Races e Jazz, lançado em 1978, formam uma espécie de "quadrado mágico" na extensa discografia do Queen, que permanece intacta e de braços abertos para fãs de rock'n'roll como ele deveria sempre ser: ousado, provocador, bem feito e instigante. Com uma simpática pitada de humor negro e exagero.

Nesses tempos de correção política, poucos e bons são os que se deleitam com o som de teatro decadente da velha Rainha. Sorte nossa.


quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Isaac Hayes - Hot Buttered Soul (1969)


O segundo disco de Isaac Hayes é uma das obras fundamentais para entender a soul music na virada dos anos 60/70. O formato habitual do single ja dava sinais de anacronismo diante de tanta experimentação musical, principalmente no rock. A psicodelia expandiu os limites estéticos rígidos e foi devidamente absorvida pelos artistas de soul, principalmente através da ação do produtor Norman Whitfield, da Motown. O sujeito transformou os Temptations em uma nova formação musical a partir de 1966.

E o que Isaac Hayes tem a ver com isso? O sujeito era arranjador, pianista e participara da lapidação de muitos hits da Stax, gravadora rival da Motown, que sempre teve seu formato sonoro mais apegado às tradições do blues e r&b, talvez com mais punch e guts. Hayes havia debutado em 1968 com Presenting Isaac Hayes, acenando com várias inovações, algo que esse segundo trabalho confirmou absurdamente. Não podemos dizer que Hot Buttered Soul é um disco psicodélico no sentido estrito do termo, mas podemos dizer que ele transpôs os limites antes de trabalhos como What's Going On (1971), de Marvin Gaye ou Talking Book (1972), de Stevie Wonder, apenas para mencionar dois monstros sagrados da música negra de todos os tempos.

O que Ike Hayes propõs nesse disco foi a subversão total de dois standards pop brancos, "Walk On By" (Burt Bacharach) e "By The Time I Get To Phoenix" (Jimmy Webb), transformando-os em duas novas canções. A primeira atingiu 12 minutos de duração, sendo totalmente refeita. Hayes arranjou a nova versão e instruiu os Bar-Keys (a segunda encarnação da banda residente da Stax, que fora vitimada num acidente aéreo em 1967, que matou Otis Redding) a soltar suas mentes e viajar nas melodias. O resultado é tão marcante e atemporal que segue como uma das maiores fontes de samplers do hip-hop atual, atingindo até quem não é do "gueto". O Portishead usou a faixa como grande manancial de timbres em seu primeiro disco, Dummy, em 1994.

"By The Time I Get To Phoenix", um clássico pop na voz de Glen Campbell, foi igualmente refeita em 18 minutos de uma suíte torturada e pungente. Ike demora quase nove minutos explicando e amplificando absurdamente a tristeza da solidão e os motivos da separação numa profusão de palavras sussurradas - que fazem Barry White, o maior aprendiz de Hayes, parecer um menino de coro gospel - para, adentrar a melodia e harmonia da música numa interpretação colossal. Teclados, pianos, baixos, bateria, metais, tudo parece parte de uma única criatura musical maior, nunca antes ouvida.

Hot Buttered Soul ainda teria mais duas canções, "Hyperbolicsyllabicsesquedalymistic", com pouco mais de nove minutos e "One Woman", com "míseros" seis minutos. Ainda que ambas sejam sensacionais, principalmente a primeira, com Ike e os Bar-Keys assombrando as formações brancas de r&b e blues. E pronto. Apenas quatro canções no disco.

A injustiça no mundo musical é uma constante e poucas vezes Hot Buttered Soul apareceu em listas de melhores discos de todos os tempos, nem mesmo por conta da prematura morte de Hayes nesse ano. Esse disco é um colosso de talento e invenção, algo que, infelizmente, ficou para trás.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Roberto Carlos - Em Ritmo De Aventura (1967)

O Rei Roberto Carlos tem uma folha de ótimos serviços prestados ao rock nacional quando este termo ainda não existia em nenhuma de suas conotações ou denotações atuais. Era o homem fazendo história com as próprias mãos.

Ao longo dos anos 60 o Rei gravou um punhado de discos que podem ser considerados como um verdadeiro cânone do rock nativo em toda a sua extensão. Baladas, covers, composições próprias, uma parceria infalível (nos moldes de Lennon e McCartney, com o Tremendão Erasmo Carlos) e muito talento.

Roberto Carlos Braga nasceu em outono de 1941, no dia 19 de abril, em Cachoeiro do Itapemirim, pequena cidade no interior do Espírito Santo. Era o quarto filho do Sr. Robertino Braga e Dona Laura Moreira Braga. Ele foi fisgado primeiramente pelo country de artistas nacionais como Bob Nelson, mas não tardaria a comprar o compacto de "Rock Around The Clock" e se fascinar com aquele ritmo novo chamado rock 'n' roll.

Aos dezesseis anos mudou-se para o Rio onde foi morar no bairro da Tijuca, lá encontrando outros jovens fascinados por rock, como Erasmo, Tim Maia, entre outros. Foi no The Snakes que ele começou a cantar, apresentando-se em clubes e bailes.

Se você gostasse de música no Brasil dos anos 60, não poderia fugir dessas alternativas: a Bossa Nova era americana demais, influenciada por jazz mais do que qualquer outro ritmo, apesar de talentos inegáveis; o Tropicalismo só surgiria a partir de 1967/68 e era político demais, autoreferente demais e elitista por natureza. Portanto, se o jovem fã de rock tivesse que escolher um estilo de vida, este seria pontuado pelos carrões, motocas e cocotas da Jovem Guarda.

A ditadura militar implicou com o movimento pois a tal jovem guarda, aqui uma referência a uma "guarda" substituta das "velhas guardas", tão presentes no Brasil, poderia ser uma referência ao comunismo, pois Lênin batizara seus soldados revolucionários em 1917 com o mesmo nome. Tudo besteira. A Jovem Guarda era diversão pura. E Roberto era o chefe da patota.

O grupo de artistas que ainda contava com bandas como Os Incríveis, Renato e Seus Blue Caps, Golden Boys, Os Vips e divas como Martinha, Wanderléa e Rosemary estrelou por um bom tempo um programa homônimo na Rede Record, onde eles se apresentavam e afirmavam suas gírias e maneirismos.

No ano de 1967, o movimento vivia seu auge. E veio a idéia de fazer um filme, com a galera, na onda de "Help" (dos Beatles, feito dois anos antes) e das aventuras de James Bond. Roberto e Erasmo estrelaram "Roberto Carlos Em Ritmo de Aventura", que foi um grande sucesso de bilheteria. O desempenho do cantor e compositor no papel principal, teve carisma e senso de humor. A grande atração, como seria de se esperar, é a trilha sonora, que inclui grandes marcos do repertório do filho mais ilustre de Cachoeiro do Itapemirim (ES), como "Eu Sou Terrível", "Como É Grande O Meu Amor Por Você", "Por Isso Corro Demais", "De Que Vale Tudo Isso", "Quando", "E Por Isso Estou Aqui" (que alguns pensam ter como título "Olha") e "Você Não Serve Pra Mim".

O curioso é que apenas "Eu Sou Terrível" foi escrita por Roberto e Erasmo, que na época viveram uma rara fase de desentendimento, levando o Rei a assinar sozinho cinco músicas. Estas músicas, hoje tão vilipendiadas, são verdadeiros tesouros. Nunca o homem foi tão vulnerável dentro de sua aparente superioridade adolescente. As letras de "Eu Sou
Terrível", cheia de bravatas e de "Por Isso Corro Demais" entram em choque direto, mostrando que os caras eram sensíveis e divertidos. E o romantismo sincero do Rei mostrava aqui com "Como É Grande O Meu Amor Por Você" o que viria a acontecer na década seguinte. Mas aqui a embalagem era rock muito bem feito e em sintonia com o que era cometido lá fora por bandas como Monkees, Herman’s Hermits e Hollies.

Muitos de nós estamos aqui graças a namoros iniciados à luz destas canções. Em respeito e conhecimento, ouçâmo-las pois e vamos tentar não mexer os esqueletos.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Milton Nascimento e Lô Borges - Clube da Esquina (1972)

A música brasileira era diferente até os anos 60. Era uma maçaroca de marchinhas, sambas-canção, boleros mexicanos e moonlight serenades, estas copiadas dos Estados Unidos. Os chamados "anos dourados" eram pobres em termos de cultura musical. Foi na década de 60 que isso mudou. Três vertentes surgiram quase simultaneamente na música feita no Brasil e isso a rebatizou de MPB. A Bossa Nova agregou a galerinha classe média, fã de jazz e samba. A Jovem Guarda veio com a beatlemania e levou consigo a povo da classe média baixa, com versões de sucessos de bandas inglesas e americanas. Uns dois anos depois veio a Tropicália, que fez a delicia dos universitários antenados com os protestos contra a ditadura militar. Era a trilha sonora genuinamente brasileira, cheia de "atitude" e "nacionalismo verdadeiro" para combater a "colonização do país".

Qualquer verbete sobre música brasileira há de citar estas três ramificações como sendo a cara da música brasileira na década de 60. E quem o escrever não estará errado, mas correrá o risco de omitir uma outra vertente, menor, mas com força e criatividade igualmente relevantes e que agregou um pouco do que as três grandes forças tinham de melhor. O jazz da Bossa Nova, a paixão pelos Beatles da Jovem Guarda e as referências culturais brasileiras da Tropicália. Isso se chamou de Clube da Esquina. O mais engraçado disso tudo é que o "clube" nada mais era do que um lugar numa esquina de Belo Horizonte, onde algumas pessoas se reuniam pra tocar violão, beber pinga e falar de política. Pouco, se compararmos com os programas de televisão que as vertentes, digamos oficiais, da música brasileira, dispunham.

Tudo começou em 1963, em Belo Horizonte. O cantor, compositor e instrumentista Milton Nascimento tinha acabado de chegar de Três Pontas com o pianista Wagner Tiso, e foi morar numa pensão no Edifício Levy, na cinzenta Avenida Amazonas, no centro da cidade. Lá, em outro apartamento, viviam os irmãos Borges – doze ao todo. No começo, Milton se enturmou com mais velho deles, Marilton, com quem foi tocar no grupo Evolussamba. Logo, estaria fazendo amizade também com Márcio e com o pequeno Lô, de apenas dez anos de idade.

Os encontros entre Milton e os dois irmãos eram sempre no quarto dos Borges, em noites regadas a batida de limão. Márcio tornou-se o letrista das primeiras composições de Milton em 1964. Enquanto isso, Lô estudava harmonia com o guitarrista Toninho Horta e devorava discos dos Beatles com outro menino, Beto Guedes. Juntos os dois, que haviam se conhecido por causa de um patinete, montaram a banda The Beavers, inspirada no Fab Four. Milton Nascimento passou a década de 60 participando de festivais e chamando atenção para sua voz e sua verve de compositor. Era o começo do estrelato para ele, que logo foi apresentado aos americanos com o disco Courage (1968), gravado por lá com arranjos de Eumir Deodato. Enquanto isso, a turma de músicos mineiros reunida por Milton e os Borges não parava de crescer, com a chegada de Flávio Venturini, Vermelho e Tavinho Moura.

Faltava apenas batizar essa reunião de músicos. Um dia, na esquina da Rua Divinópolis com a Rua Paraisópolis, no bucólico bairro de Santa Teresa, Milton e os irmãos Borges fundaram o Clube da Esquina, irmandade unida no interesse por música, política, amizade e uma cachacinha das boas. O nome foi idéia de Márcio que, sempre ao ouvir a mãe, Dona Maria, perguntar por onde andavam os meninos Borges, dizia: "Claro que lá na esquina, cantando e tocando violão".
Em comum entre os integrantes, a origem de classe média, o grande interesse por assuntos culturais e políticos e a disposição de privilegiar os temas sociais em detrimento do amor nas letras. Antes mesmo que se formalizasse um movimento (que, de acordo com seus integrantes, nunca se formalizou), Milton e Lô Borges (então com 17 anos de idade) entraram em 1972 nos estúdios da EMI para gravar o disco Clube da Esquina. Com uma capa que trazia apenas a foto de dois meninos, um preto e uma branco, na beira de uma estrada em Nova Friburgo, o LP apresentou ao país a alquimia sonora obtida por aquele grupo de mineiros, ao qual se agregaram ainda o letrista Ronaldo Bastos e o grupo Som Imaginário (de Wagner Tiso): bossa nova, Beatles, toadas, congadas, choro, jazz, folias de reis e rock progressivo.

Canções como O Trem Azul (de Lô e Ronaldo, regravada por Tom Jobim em seu último disco, Antônio Brasileiro), Tudo o que Você Poderia Ser (Lô e Márcio), Nada Será Como Antes e Cais (ambas de Milton e Ronaldo) foram o marco zero para aquele que foi o primeiro movimento musical brasileiro de importância depois da Tropicália. Talvez a melhor música de todo o disco seja a singela versão instrumental de Clube da Esquina nº 2, que teve a letra censurada.
Logo, cada um dos sócios do Clube estaria seguindo o seu caminho, lançando seus próprios discos – Beto Guedes rachou um LP com Novelli, Danilo Caymmi e Toninho Horta e em seguida fez A Página do Relâmpago Elétrico e Amor de Índio. Lô Borges gravou os elogiados Lô Borges e Via Láctea. Flávio Venturini foi para O Terço, banda que lançou discos mais voltados para o rock progressivo e depois daria origem ao pop 14 Bis (de Vermelho e Magrão).

Claro que Milton Nascimento e seus amigos de Clube hoje são passado. Mas ninguém se importa em olhar pra trás de vez em quando. Afinal, na música talvez a história não se repita sempre como farsa.

sábado, 22 de novembro de 2008

Glen Campbell - By The Time I Get To Phoenix (1968)


Ele deu uma última olhada para ela, que ressonava levemente. Pensou no que decidira fazer, pensou no que deixava pra trás. Sem tristeza, ele se permitiu imaginar o que viria. E sorriu secretamente, encoberto pelo escuro do quarto. Quando chegou em Phoenix, pensou novamente nela. O carro precisava de combustível. Imaginou-a acordando e não o encontrando de imediato, ao lado dela. Ele podia vê-la se dirigindo para a porta do quarto, onde ele deixara um bilhete, afixado por uma fita durex.
Ela riria da parte do texto curto que dizia "eu estou te deixando para sempre". Nunca acreditara que isso fosse possível, mas ali, em pleno estado do Arizona, bem longe de Los Angeles, ele achava que a distância era até pequena. Partiu no carro reabastecido e para o futuro. Já havia percebido que o romance não renderia muito, tentara abandoná-la algumas vezes, mas nunca resistira aos pedidos para voltar.

As estradas, essas pequenas condutoras dos vaivéns da vida o levaram ainda mais longe, naquela jornada de volta pra casa. Em Albuquerque, Novo México, ele novamente pensou nela. Provavelmente estaria trabalhando, talvez já no horário do almoço. Ela ligaria para a casa que dividiam, ouvindo o telefone chamar, chamar e ninguém atender. Simplesmente.

Mais tarde, já chegando em casa, em Oklahoma City, ele avistou a velha casa de seus pais e diminuiu a velocidade do carro. Pensou pela última vez nela, a esta altura já adormecida na cama vazia. Uma ponta de tristeza varreu-lhe a alma ao imaginar a constatação do inevitável por parte dela. Ele realmente se fora. Tantas vezes tentou avisá-la que algo estava errado, fosse o ciúme, fosse a rotina, a falta de amor. Ela nunca lhe dera crédito e ele sempre voltava, talvez por não conseguir viver longe. Agora, com a cama vazia, sob o calor leve do verão, ela chorava em silêncio no travesseiro. Ele não voltaria mais...

Ao ouvir os poucos versos contidos nos dois minutos e meio de duração de "By The Time I Get To Phoenix", entramos em contato com esta história de (não) amor, na qual o personagem-narrador da música descreve com minuciosa precisão o que a outra pessoa está fazendo ao longo de um dia de viagem, rumo ao futuro e uma nova vida. Os eventos evoluem do descrédito à constatação inegável que o amor acabou e que o ente querido não volta mais, mesmo após tantas tentativas fracassadas de abandonar a relação.

Vários detalhes maravilhosos fazem dessa canção um verdadeiro ícone da produção pop da segunda metade dos anos 60. A versão definitiva, gravada por Glen Campbell traz um arranjo luxuoso de cordas e metais, que retiraria o então astro country de seu nicho e o arremessaria ao estrelato, forjando um rótulo que poucas vezes pareceu tão acertado: countrypolitan. Seria o sujeito que veio do campo - no caso de Campbell, dos canfundós do Arkansas - e que chegou a Los Angeles, sendo lentamente assimilado pela metrópole, sem, no entanto, perder as idiossincrasias rurais.

Quando chegou a LA, Campbell era, de fato, um cantor country,mais que isso, um exímio músico, capaz de grandes melodias ao violão e guitarra. Logo foi contratado como músico de estúdio e acompanhou gente como Frank Sinatra e Elvis Presley, além de trabalhar com Brian Wilson, líder dos Beach Boys. Campbell acabaria substituindo Brian numa turnê dos BB em 1965, por conta de um dos primeiros ataques nervosos do beach boy, que o levariam a abandonar as turnês da banda e a sair de cena dois anos mais tarde, em função do colapso durante a produção do disco Smile.

Em troca, Brian Wilson compôs e produziu "Guess I'm Dumb", um sucesso mediano nas paradas, mas a primeira incursão de Campbell fora do terreno country. Ao longo dos anos seguintes, Glen consolidaria sua carreira de guitarrista e cantor, chegando a ganhar seu primeiro Grammy de melhor gravação country com "Gentle On My Mind", mas nada comparado ao que estava por vir.

Um belo dia ele recebeu um disco de Johnny Rivers, no qual estava "By The Time I Get To Phoenix". Foi a primeira música que Glen ouviu, chegando a se emocionar com a letra e, principalmente com o trajeto que o personagem empreende ao longo da canção: Los Angeles - Arizona - Novo México - Oklahoma. Quase o caminho inverso feito por ele em direção à cidade californiana.

Entrou em contato com o autor da música, Jimmy Webb, filho de um pastor batista de Oklahoma, com inacreditáveis 21 anos de idade. Essa parceria entre Webb e Campbell ainda rendeu mais três canções que se inserem no mesmo contexto de "By The Time I Get To Phoenix": "Galveston", "Where's The Playground, Susie" e, sobretudo, "Wichita Lineman", que ainda será dissecada por aqui. Jimmy Webb se firmaria como um dos grandes compositores pop de todos os tempos, ombro a ombro com seu mestre, Burt Bacharach, e gravaria com Cambpell o álbum Reunion, em 1974, com doze canções, entre elas os quatro sucessos citados acima.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Big Star - #1 Record (1972)


Hoje em dia, seguindo a tendência de que o ser humano precisa cada vez de mais tempo para gastar e ele não pode perder um segundo sequer para entender algo muito mais complexo, mesmo que isso seja ouvir alguém cantando sobre o amor perdido, a solidão, a chuva, o céu, enfim, acabamos obrigados a ser felizes sem pensarmos muito se podemos, devemos ou até se queremos ser agora. Talvez depois. Resumindo: a música pop se foi. Ou melhor, se tornou impopular. Virou um gueto, onde residem os artesãos forjados após muitas audições de discos dos Beatles, dos Beach Boys, dos Byrds e do Big Star.

Mesmo que não tenha sido intencional, Brian Wilson, líder dos Beach Boys, definiu em 1967 o que era o pop. Claro que os Beatles já haviam levado o termo pop ao extremo anos antes, mas Wilson acertou na mosca quando disse que queria "fazer uma sinfonia adolescente para Deus" ao se referir a seu abortado projeto "Smile". Pop é entrar em conexão direta com as mais belas melodias, subvertidas para o assovio, para o balbucio, para o cantarolar... e as melodias, amigos, vêm lá de cima.

Mas nem só de Beatles e Beach Boys viveu (e ainda vive) o bom pop. Uma singular formação de Memphis, Tennessee, levou o termo pop para o dicionário. Ironicamente contratado do selo Stax, espacializado em soul e black music em geral, o Big Star nasceu de uma desilusão dupla. Alex Chilton era vocalista e guitarrista de uma banda de soul branco chamada Box Tops enquanto Chris Bell era guitarrista e vocalista de um trio de rock americano com cara de inglês chamado Ice Water. O Box Tops ficou famoso, principalmente na Inglaterra, com o estouro de "The Letter", uma cançoneta pop com tinturas de blue-eyed soul. Bell e Chilton eram colegas de colégio, mas não tão amigos como se supõe.

Após fracassos simultâneos, os dois mais Andy Hummel (piano, e baixo) e Jody Stephens (bateria) formaram o Big Star, copiando o nome de um supermercado vizinho ao Ardent Studios, em Memphis. Ali gravaram o seu primeiro disco, chamado apenas de #1 Record, em 1972, e entraram para a história. Baladas absolutamente perfeitas, como "Thirteen" ou "The Ballad Of El Goodo" conviviam com faixas mais rapidinhas como "Don't Lie To Me" e fizeram do disco uma verdadeira bíblia do que se chamou de power pop. Bell e Chilton continuaram se estanhando e o segundo acabou saindo da banda por divergências musicais. Bell permaneceria no anonimato durante a década de 70, gravando ocasionalmente, ajudado por seu irmão David. Esses registros foram resumidos no disco I Am The Cosmos, de 1978, póstumo, já que Bell se espatifou num acidente de automóvel.

Chilton seguiu com a banda e numa errática, mas impecável carreira solo. Mas a semente estava lançada. O que o Big Star fez com maestria (e outras bandas da época, como Badfinger e Raspberries) foi aperfeiçoar a faceta pop das bandas inglesas do primeiro (Beatles) e segundo escalão (Hollies, Herman's Hermits, Zombies), tornando-as ensolaradas e livres de seu original fog britânico.

Ao fazerem isso, estes pioneiros forjaram um novo som. Criaram padrões e, como todos os pioneiros, não viram fama ou fortuna. Uma injustiça que pode ser reparada por você, adquirindo #1 Record em CD, aproveitando que a versão disponível neste formato ainda traz o soberbo segundo disco, chamado Radio City, gravado um ano depois, já sem Chris Bell.

Obrigatório para quem gosta de rock.